domingo, janeiro 08, 2006 

Entrevista: Placebo

Esse momento foi surreal. Lembro quando liguei do elevador do hotel para uma amiga e disse "estou indo entrevistar o Placebo agora, e vai ser exclusivo, o que eu pergunto para eles?". Gaguejei, errei o inglês e, no fim, acabei pagando de fã da banda. Uma pena que o jornal tenha cortado parte da entrevista por falta de espaço.
Agenda de banda internacional, quando vem para o Brasil, é sempre a mesma. Os integrantes chegam no hotel, respondem às perguntas para os jornais todos de uma vez só, fazem o show e vão embora. Rompendo com essa rotina, a Folha de Pernambuco foi o único jornal que do País que conseguiu, até agora, um momento exclusivo com os ingleses que estréiam a nova turnê. Confira os detalhes:
  • A maioria dos grupos ingleses que estouraram junto com o Placebo estão lançando coletâneas, inclusive vocês. A banda acredita que o rock britânico passa por uma crise criativa?
BRIAN MOLKO - Não, de jeito nenhum. As pessoas pensam isso porque preferem olhar para o passado e dizer que, hoje, nada que é feito presta. As coletâneas estão aí porque as bandas estão em turnê e um disco novo não surge do nada. É um reflexo dessa situação.
  • As bandas internacionais que se apresentam por aqui sempre mostram performances inferiores ao que se assiste na TV. A turnê brasileira vai ganhar algum momento exclusivo?
Exclusividade é uma questão de público. É sempre uma troca de energia que existe entre a banda e quem está na frente do palco. Não planejamos nada, mas se o público brasileiro fizer essa troca, eles terão um momento único.
  • Vocês participaram de uma coletiva em São Paulo, onde perguntaram insistentemente se a banda se considera um grupo de Glam Rock, mesmo com vocês negando. Porque vocês acham que isso aconteceu?
Fico feliz que você tenha perguntado isso, porque estamos decepcionados com os jornalistas brasileiros. Nossa recepção aqui foi preguiçosa, com as pessoas fazendo associações com um vídeo onde aparecemos sete anos atrás e com bandas que acabaram muito antes de começarmos. Esperamos que o contato com o público seja diferente.

 

Abril pro Rock 2005: Terceiro dia

Com público pequeno - entre 3 a 4 mil pessoas - e clima super tranqüilo, o domingo do Abril pro Rock foi o dia mais cansado de todo o festival. A dispersão do público passava uma sensação forte de evento social (e não de música), salvo raras exceções quando alguns curiosos decidiam conferir o que estava rolando no palco. Com quase uma hora de atraso, o Superoutro começou a noite mostrando novo vocalista e identidade sonora (até então, as músicas sempre valorizavam mais o instrumental).

O grande momento começou cedo, na apresentação do Gram, que reuniu o maior público da noite. Com direito a coro, mãos levantadas e até tietagem pós-show. Logo em seguida, o exótico ditou regra no pavilhão do Centro de Convenções, quando o Legendary Tigerman mostrou seu blues melancólico, com leves doses de energia e pouco atraente para o perfil do festival.

Foi a mesma sensação que permaneceu na dispersada apresentação do DJ Dolores, na imagem excêntrica de Daniel Beleza (que teve o som desligado pela produção antes de acabar o tempo do show) e na estranha parceria de Arto Lindsay com Mombojó. O produtor está no processo de assinar contrato para se apresentar no Festival de Inverno de Garanhuns. A ironia ficou com o azar da Volver e do Leela, que por serem mais comuns, acabaram como os estranhos da noite.

Quem foi no domingo guardou a empolgação para o show do Orquestra Manguefônica. Repetindo a fórmula que deu certo no Rio de Janeiro, eles deixaram a pegada dub de lado e resolveram colocar o bom rock’n’roll no tom das músicas. Consagrando a presença deles, o curta O Mundo é uma Cabeça, com imagens inéditas de Chico Science, foi exibido duas vezes na noite.

Publicado originalmente no dia 19 de abril de 2005

 

Abril pro Rock 2005: Segundo dia

O impacto da primeira noite do Abril pro Rock foi tanto que, no show do sábado o assunto principal que se falava pelo pavilhão do Centro de Convenções ainda era a noite de sexta-feira. Segundo a organização do evento, o público médio foi de nove mil pessoas (sendo cerca de 500 convidados não-pagantes). Para se ter uma idéia, no ano passado, a primeira noite do festival reuniu três mil pessoas, já contando com os convidados. O espanto só dava espaço para um outro assunto no dia, a expectativa de qual reação o público teria com a atração Massacration.

Quem veio de fora chegou a pensar que a primeira apresentação já era uma atração de peso do sábado. Abrindo a noite, a local Silent Moon mostrou a união do público de metal do Recife, que fez questão de fazer volume desde cedo nos shows. Em seguida, o Chaosphere foi a primeira a se beneficiar com o esperado atraso do Sepultura, que veio direto de outro show em São Paulo, e pôde ficar mais tempo no palco.

Uma curiosidade na apresentação seguinte, do Dead Fish, é perceber como o Recife é um reflexo da carreira da banda. Na primeira apresentação, no finado Dokas, a banda era completamente desconhecida e hoje cativa um público carente até mesmo por um olhar. Foi o primeiro show da noite a lotar de gente até onde a vista alcançava no palco.

O vocalista Rodrigo, não se deixa iludir: "a gente sempre teve muito pé no chão, então encaramos esse crescimento da banda com grande naturalidade, aproveitando o máximo possível".

Com o público bastante cansado e esperando ansioso para a presença do Massacration, os baianos da Retrofoguetes foram os maiores injustiçados da noite. Mesmo com um show excelente, emplacaram apenas alguns poucos curiosos na frente do palco. O guitarrista Morotó arrisca ainda um outro motivo. "O Brasil tem uma cultura de vocalistas muito forte e sempre mostra resistência para uma banda totalmente instrumental".

Se existia alguma dúvida da recepção que os comediantes da MTV, Hermes & Renato, teriam ao fazer gozação da cara dos fãs de heavy metal, ela acabou já na introdução da banda.

O personagem agora era um cantor de MPB, fazendo poesia com o violão, até ser espancado pelo sem noção Joselito, anunciando a entrada da "maior banda de metal do universo". Numa apresentação de pouco mais de 20 minutos, o pavilhão do Centro de Convenções teve a maior concentração de público na noite.

A grande ironia do sábado foi o Massacration ter deixado o público do Shaman (uma banda de metal de verdade) bem cansado no show.

Mais uma vez, para garantir a presença do Sepultura, a apresentação teve que ser esticada e somente um pequeno grupo de pessoas insistia em bater cabeça perto do palco, com o resto assistindo com muito mais calma. Mesmo assim, o grupo não deixou de fazer reverências ao Recife, que foi o primeiro palco da banda.

Com quase duas horas de atraso, o Sepultura mostrou que tem sempre energia de sobra para dar ao público. Começaram com uma apresentação profissional até nos diálogos com a platéia, mas logo abriram o repertório para fazer um show com a cara deles, fazendo covers de Black Sabbath e atendendo aos pedidos dos fãs.

Publicado originalmente no dia 18 de abril de 2005

 

Abril pro Rock 2005: Primeiro dia

Fazia tempo que tanta gente não ia para o pavilhão do Centro de Convenções assistir ao Abril pro Rock com tão boa vontade. Mesmo com um público de imagem excêntrica, predominantemente para ver o Placebo, a estréia da 13ª edição do festival mostrou como a carência do Recife por shows de grandes nome é capaz até de mudar velhos hábitos na cidade, como o de comprar ingressos antecipados. Até ontem, o número de vendas já superava, em muito, o dos anos passados. Afinal, ninguém queria ficar de fora para o evento do ano.

Um fato interessante este ano foi que os shows começaram pelo não oficial palco três. A banda The Playboys alugou um espaço para stand e, no lugar de roupas, ofereceu uma pequena apresentação, reunindo considerável público. Para quem não cogitava ser possível pagar pela presença no Abril, a banda dá a receita: meros R$ 250 para estar entre o maior público de Rock’n’Roll do Norte-Nordeste. E não ficou apenas no início, uma canja com a lenda de minas, Wander Wildner, atraiu muito mais gente já depois de começado os shows.

No momento do Claro que é Rock,a banda de Natal, Bugs, conseguiu, em 20 minutos, cativar todo mundo que lotava o espaço do palco dois - muito bem arquitetado com telão de fundo, mostrando o nome do grupo - arrancando gritos de euforia entre cada canção. Durante as apresentações, as polêmicas não paravam de circular sobre a presença no júri dos produtores de dois concorrentes, criando tensão sobre o resultado final, que decidiria qual representante do Nordes-te estaria na etapa final de São Paulo.

As preocupações deram espaço e força para a anunciação dos cariocas Los Hermanos. O palco um, até então com sua frente ocupada por fãs do Placebo que queriam garantir espaço, foi invadido por uma multidão. Curioso perceber que a banda consegue reciclar seu público e, ainda assim, manter unidade de comportamento. Quem gritou nos últimos shows, agora assistia de longe, reconhecendo os novos donos de uma idolatria que parece, cada vez mais, sem fim.

Encerrado o empurra-empurra de uma hora, o festival da Claro retoma para dar tempo da atração principal preparar sua entrada. Sobem no palco as duas promessas da noite e, perguntada sobre a expectativa e o júri de produtores de concorrentes, a Star-61 já se declara não vencedora. Miranda, responsável pela gravadora Trama, produtor da Zeferina Bomba (PB) e jurado, se defende, “Quem me conhece sabe que meu julgamento é imparcial. Além do que, tenho muito contato com todas as bandas participantes”.

Entra, então, o grande momento da noite. O Placebo, banda da Inglaterra que toca uma evolução do rock de David Bowie e The Smiths, faz um show longo com mais de uma hora e meia. Os fãs mais ligados devem ter percebido que a ordem das músicas foram exatamente as mesmas das tocadas recentemente na Argentina e México, incluindo o supostamente inesperado retorno do palco. Numa turnê só de sucessos, a banda agrada, de mão cheia, os presentes, que tem apenas aplausos.

Logo em seguida, Roger, que também fez parte do júri, anuncia o resultado do concurso. A própria Star 61, que momentos antes estava desacreditada com o evento. Eles receberam R$ 15 mil em instrumentos e a oportunidade de se apresentar em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Publicada originalmente no dia 17 de abril de 2005

 

Paradão do camelô

Essa está no meu top 5 de matérias favoritas!
Todos os meses, a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) envia para a imprensa e gravadoras um relatório dos CDs mais vendidos em território nacional. Paralelamente as principais lojas do país também divulgam suas próprias listas, como um guia para os clientes interessados. Bem distante da realidade do consumidor brasileiro, as primeiras posições são ocupadas por produtos com valor entre R$ 200,00 e R$ 40,00. A Folha de Pernambuco fez uma comparação dessas listas com outra bem mais polêmica e acessível ao público. A das carrocinhas de CD’s piratas no centro do Recife.

“Você quer saber isso mesmo? Porque isso aqui é ilegal”, disse espantada uma vendedora entrevistada. A reação mostra que as gravadoras travam hoje uma batalha. Um comprador da mesma carrocinha entrou na conversa defendendo sua posição, “Você devia colocar lá que é para eles venderem disco mais barato. A gente quer comprar disco hoje e não pode, porque custam em média R$ 40,00”.

Assim como na ABPD, a relação de vendas dos camelôs é nacional. Mas, existem diferenças grandes, sendo o maior destaque a presença de bandas locais lado a lado. O motivo é o perfil do público, já que nas lojas predomina consumidores de classe A e B, enquanto nas carroças atrai público B e C. O volume de vendas é o mesmo de uma loja de médio porte. Os piratas também recebem extensas listas de encomendas.

Por outro lado, o gosto popular está bem distante da classe média alta. De 16 vendedores de ruas entrevistados, todos concordam com o número um da lista, “Á Vera”, novo disco de Zeca Pagodinho. Com preço médio de R$ 32, sequer aparece na lista das vendas em lojas. O perfil de quem compra discos originais hoje se reflete no terceiro mais vendido nas lojas, uma coleção com 12 CDs da década de 70 de Roberto Carlos, com preço médio de R$ 280,00. São os produtos mais vendidos que também ficam expostos na vitrine, em casos como esses, até intimidando a entrada do cliente que pode encontrar produtos mais acessíveis.

A maior surpresa da lista fica mesmo a cargo das bandas locais, esquecidas no comércio. Muitas vezes, dependendo dessa relação oficial para conseguir conquistar o espaço merecido nas rádios, elas já podem começar a pensar em maneiras mais criativas de fazer seus lançamentos chegarem a população. Um que já tomou a iniciativa foi Arnaldo Batista, que passou a fazer pequenos shows no centro do Recife para ajudar na venda dos discos.

Top 10 dos camelôs
  1. Zeca Pagodinho
  2. Calcinha Preta
  3. Alcione
  4. Trio Nordestino
  5. Cavaleiros do Forró
  6. Ana Carolina
  7. Rock Internacional de Novelas
  8. Zezé di Camargo & Luciano
  9. Limão com Mel
  10. Simple Red
Top 10 ABDP / Lojas
  1. Maria Bethania
  2. Tom Zé
  3. Pra Sempre - Década de 70 - Roberto Carlos
  4. Skank
  5. Tom Jobim
  6. Adriana Calcanhoto
  7. Zezé di Camargo & Luciano
  8. Placebo
  9. Jack Johnson
  10. Zeca Pagodinho

 

Abril pro Rock 2005

Já são 12 anos de Abril pro Rock, festival que começa hoje no pavilhão do Centro de Convenções e, mesmo com todas as controvérsias envolvidas, continua mantendo seu público. De hoje até domingo, a expectativa é que passem pelos shows cerca de 5 mil pessoas por dia, superando os números do ano passado, que somaram uma média de 13 mil pagantes no evento. Idealizador e organizador do Abril, Paulo André confirma o esperado, “só nas vendas antecipadas já superamos a sexta-feira de 2004”.

O aumento acontece graças a iniciativa dos organizadores de privatizar a programação do festival. Uma parceria com a operadora de celular Claro garantiu a passagem da turnê da banda inglesa Placebo pela cidade (conquistando uma carência geral do Recife em shows internacionais), enquanto o concurso Microfonia conseguiu reascender o interesse de um público já distante da faixa etária alvo do Abril pro Rock.

As duas empreitadas permitiram a renovação do festival, saindo da fórmula engessada, que estava desagradando o público. Algumas atrações, como DJ Dolores e Mombojó, já sobem no palco do evento há mais de dois anos seguidos e acabavam ditando um perfil de bandas que já não condiz com a realidade da cidade. O mesmo para as atrações nacionais, que se revezavam sempre entre Los Hermanos, Sepultura (presente esse ano) e O Rappa.

Este ano, assim como no passado, uma decisão judicial reforça que adolescentes entre 12 e 18 anos só podem entrar no pavilhão do Centro de Convenções se estiverem acompanhados de algum responsável. “Algumas pessoas entenderam a decisão como o responsável sendo os pais. Mas, pode ser qualquer responsável, como um amigo ou um irmão”, explica Paulo André.

A produção do festival conseguiu que os três estacionamentos do local fossem abertos. Isso garante acesso ao local via Estrada de Belém e também pela rua ao lado da Nordeste Segurança de Valores.

Programação
  • Sexta, 15 de abril - 21hs
Suzana Flag (PA)
Zeferina Bomba (PB)
Star-61 (PB)
Bugs (RN)
Rádio de Outono (PE)
Los Hermanos (RJ)
Placebo (UK)
  • Sábado, 16 de abril - 17hs
Sepultura (MG)
Shaaman (SP)
Dead Fish (ES)
Massacration (SP)
Retrofoguetes (BA)
MQN (GO)
Matanza (RJ)
Chaosphere (PE)
Silent Moon (PE)
  • Domingo, 17 de abril - 17hs
Orquestra Manguefônica (Nação Zumbi + Mundo Livre SA) (PE)
DJ Dolores: Aparelhagem (PE)
Mombojó x Arto Lindsay (PE)
Gram (SP)
The Legendary Tiger Man (Portugual)
Leela (RJ)
Superoutro (PE)
Volver (PE)
Daniel Belleza e os Corações em Fúria

 

Entrevista: Biquini Cavadão

Com material suficiente para gravar um novo disco só com inéditas, o Biquini Cavadão decidiu esperar um pouco e, em comemoração aos 20 anos da banda, lançar um “dois em um” de CD e DVD ao vivo. Gravado em dois dias durante o Ceará Music Festival, o show traz um repertório com todos sucessos que uma pessoa gostaria de encontrar num show desde “Tédio” à “Janaína”, nenhuma fase do grupo foi deixada de lado.

“É a vantagem de uma banda com 20 anos de estrada. Você pode planejar as coisas com bem calma, pode lançar como e quando quiser”, explica o guitarrista e produtor do DVD, Coelho. “Estávamos querendo gravar esse ao vivo há muito tempo, mas esperamos chegar o festival em Fortaleza, que é um público com quem temos uma história muito longa e fazer também uma homenagem a eles”, completa.

As imagens confirmam. O público de 38 mil pessoas se mistura na faixa etária e acaba sendo um próprio reflexo da trajetória da banda. Mesmo assim, o vocalista Bruno não se ilude, “O Biquini nunca se valeu pelo mercado. Se fosse assim, a Festa no Apê seria considerado boa música”. Ele não mede a qualidade do DVD em números, mas na qualidade das canções, “tem que ter uma proposta sincera”.

O repertório do CD e DVD tem ordem diferente - a original do show ficou para a versão com vídeos. Além da razão óbvia, que é criar produtos diferentes, a estratégia de CD é bem mais interessante, colocando os sucessos mais esperados já no início. Mesmo estando num festival com grandes nomes, a única participação nas faixas é de Papa Winnie, que veio ao Brasil apenas para participar da gravação.

Nos extras, uma série de entrevista com a banda mostra a relação deles com Fortaleza e uma explicação faixa-a-faixa de todas as composições. É o momento mais curioso, que faz valer o DVD. Lá ficam conhecidas as histórias de Janaína, Dani e todas as garotas cantadas pelo Biquini.

Publicado originalmente no dia 13 de abril de 2005

 

Entrevista: Rappin'Hood

Esse é um dos meus textos favoritos até hoje
Antônio Luiz Júnior, 33 anos, natural de São Paulo, tem como sonho viver de música. Entra na sede da Ordem dos Músicos, preenche os formulários, mas é vetado no teste. O motivo, ele queria fazer a prova de canto com um rap. “Tive que cantar um samba, porque eles não aceitavam que eu, como rapper, cantasse um rap”. Naquela época, quem aplicou a prova pode até ter feito piada, mas hoje, se for descoberto, vai morrer de vergonha do que fez. Antônio Luiz, hoje o Rappin Hood, já tinha provado que é músico e agora, quando lança “Sujeito Homem 2”, segunda parte de uma trilogia, começa a provar que o Rap é parte da Música Popular Brasileira.

“Eu quero ser brasileiro. Meu RG é Made in Brasil!”, fala empolgado, enquanto explica as misturas do novo disco, recheado de samba e músicas da velha guarda. “Cada vez eu fui me misturando mais, me sentindo a vontade ali dentro daquela atmosfera”, lembra o artista, que já tinha feito a experiência só que com muito mais modéstia no primeiro disco da série. “Em cima da cadência do samba, eu vou rimando. Não quero ser cópia de um rapper americano”, se defende.

Ele não está sozinho na empreitada. Nas faixas, Caetano Veloso, Jair Rodrigues e Cláudio Zoli são só algumas das vozes que se rendem as batidas de Rappin Hood, que assume o capuz e literalmente entrega a música dos ricos, aos pobres. “Eu não faço nada que não seja minha cara! Meu trabalho eu só faço o que quero, seja na gravadora onde for!” argumenta logo antes que alguém invente dizer que as participações são algum tipo de contrato. “Foi algo que aconteceu, fui encontrando as pessoas e trocando idéias. A única coisa proposital é que eu não quis convidar nenhum rapper dessa vez. Todas as rimas são minhas”.

Com essa reinvenção do rap, o artista continua na batalha para desassociar a música da violência. “Dizem que é som de ladrão e, na verdade, existem até pessoas de dentro do movimento que se confundem”, comenta em tom triste. “Eu não quero que o irmão escute e se revolte, que queira quebrar tudo. Quero que ele aprenda a contestar, perguntar, tudo de forma organizada”, reflete.

Agora, ele entra em temporada de divulgação do novo trabalho. “Já tenho alguns show programados em Curitiba, Porto Alegre e São Paulo. Queria muito conseguir ir para Recife, porque tenho vários amigos ai. Os parceiros do Faces do Subúrbio e Sistema X”, explica, sem esconder que a vontade não é restrita só na música. “Quero conhecer o Alto José do Pinho, o Pina de Copacabana, Boa Viagem e todas as histórias que chegam até aqui em São Paulo”.

VINCULADA - O rap reinventado na batida do samba

O segundo ato de “Sujeito Homem” abre com uma música incidental, tema da novela “Escrava Isaura” e um recado falado contra a cultura do “mão na cabeça” e repressão. Toda e qualquer semelhança com algum rap que você já ouviu em sua vida encerra aqui, no momento após o silêncio onde Rappin Hood anuncia a faixa dedicada a Martin, o filho que aparece na capa. Para não causar impacto forte, a transição começa devagar, com a ainda um tanto comum “Us Guerreiro”, faixa que faz uma dobradinha com outra um pouco mais adiante.

Mas é na terceira, que curiosamente não foi escolhida para trabalho, que o rapper começa sua revolução. Ele já prepara o ouvinte que essa “é para entrar na história”. A música, em parceria com Jair Rodrigues, mistura o rap com “Disparada”, canção que ganhou primeiro lugar no festival da Record 1966, com uma harmonia tão grande que assusta. Para manter o fôlego, “Us Playboy” e “Ex-157” voltam ao mote mais modesto. É o momento em que MPB e Rap começam a se misturar na cabeça do ouvinte.

Dai em diante ele segue fazendo misturas com “Odara, Preciso me Encontrar”, faixa onde faz uma breve dialogo com Cartola, acompanhado por Zélia Duncan. A proximidade com o samba se estreita mais em “Dia de Desfile II”, onde Rappin Hood canta a apoteose do rap da periferia durante o Carnaval. Com porte de respeito, as rimas do rap ficam mais de fundo e dão lugar aos scratchs que ditam o ritmo de “Favela” na voz de Arlindo Cruz.

O disco encerra dando reforço nas mensagens de paz. Essa última parte começa com uma reza junto a Gilberto Gil, que canta em “Axé” parte de sua “Andar com Fé”. Fica curioso a maneira como as batidas do rap agora voltam como um som natural para quem acompanhou todo o CD, prova de que, antes mesmo do show que encerrará o vindouro “Sujeito Homem 3”, Rappin Hood já pode declamar missão cumprida.

Publicadas originalmente no dia 12 de abril de 2005

 

A nova batida de DJ Dolores

Detestei esse texto na época. Ainda detesto.
A confusão foi grande quando o DJ Dolores anunciou pela 1ª vez o projeto Aparelhagem. A controvérsia principal aconteceu porque, em todas as apresentações, a palavra “projeto” não aparecia em canto nenhum, muito menos no CD que chega esta semana nas lojas. Para descomplicar, Helder Aragão, dono da alcunha Dolores, explica “Aparelhagem não é um nome de banda, mas sim do projeto. É o que estou fazendo agora”. A princípio, esse ‘fazer agora’ seria encaixar a aparelhagem eletrônica no som de Pernambuco, mote que apresenta as 12 faixas do disco.

Nessa missão, ele chama Isaa, ex-Comadre Fulorzinha, para assinar, em parceria, todas as músicas do projeto. Para quem pôde acompanhar as apresentações que o Dj fez na cidade até agora, essa mistura - apesar de estranha - não tem nada de conversa afiada. Foi o que causou a estranheza da primeira impressão, quando todos esperavam o sampler eletrônico e escutaram o repente Nordestino. “Quis mostrar que o laptop é apenas mais um instrumento, que não precisa ser o dono da estética final” justifica.

Mesmo assim, quem se aventurar pelo disco não precisa se preocupar em pisar em terreno desconhecido. Apesar de abrir com “De dar dó”, que dita o ritmo de quase todo o CD - literalmente essa mistura nordestina - Dolores não se prende apenas ao exótico e manda algumas faixas bem próximas do Drum’n’Bass. O vocal em francês não é por acaso. O país tem sido o principal palco do DJ e ele já tem data marcada para um turnê que começa por lá.

Sempre positivo sobre a cena pernambucana ele confessa que não está ligado no que está ganhando destaque nos concursos e festivais da cidade. “Passo tanto tempo fora que não consegui ainda escutar as bandas dessa nova cena indie”, mesmo assim, já classifica o som sem regionalismo como algo positivo, “quanto mais cena, melhor”. Quem ainda não conferiu o material que rendeu o novo disco, é só comparecer próximo dia 17 no Abril pro Rock, onde ele se apresenta antes de partir para a Europa.

Publicada originalmente no dia 11 de abril de 2005

 

Entrevista: Martinho da Vila

Até hoje fico impressionado e me repetindo q tomei uma cerveja com ele.
Visto de longe, na tela de um Faustão, Martinho da Vila nem parece que é gente como a gente. Com 68 anos de idade e 38 de carreira, escreveu sambas que já atravessam gerações. Alguns refrães, como “vai vadiar”, a gente já pode correr o risco de dizer que, hoje, já se nasce no Brasil sabendo. Mesmo assim, o repertório dele não esgota. Pesquisador, mostra agora a segunda etapa de sua busca por novas poesias em “Brasilatinidade”.

Na varanda da piscina do hotel, Martinho esbanja uma simplicidade que afasta qualquer mito criado na imagem dele. De sandálias e camiseta, ele rende na cerveja, mas não economiza no cigarros - três cigarros durante uma conversa de 40 minutos. Tranquilo, ele dá a receita do novo disco, “fiquei pensando nas línguas, achei legal usar essa temática, de misturar a cultura latina”.

Nas 15 faixas, ele pega poesias da Itália, Espanha e até Romênia, traduz e dá contexto e som nacional. “Meu barato era fazer uma mistura, sem descaracterizar”, explica. Para ajudar a imprimir os arranjos de uma identidade externa no samba, Martinho contou com a presença de Robertinho do Recife. “De cara não achei que seria conveniente, até porque conhecia apenas o trabalho dele com guitarra. Mas descobri que ele tem um talento fora de série”.

Não demora muito para descobrir a genialidade e intimidade que Martinho da Vila tem com a música. “Gosto de pegar o mote da música quando estou batendo papo. Outro dia, um amigo pediu um suco de maracujá num bar e, na hora, comecei a pensar numa letra”, recorda fazendo referência a faixa nove do disco.

Para as músicas que traduzem poemas de fora, Martinho contou com a participação de artistas do país de origem de cada uma delas, todos cantando no idioma local. A exceção é “Dentre Centenas de Mastros”, de influência romena. A canção também é a única que é mais distante sonoramente do samba. “Foi um trabalho enorme para encontrar uma canção romena que combinasse com o projeto”, lembra o sambista, sempre empolgado com o resultado de suas pesquisas.

Mas longe de ser entusiasta, Martinho conhece bem os riscos de lançar um trabalho erudito. “Existe uma resistência quando eles acham que é requintado demais, algumas rádios até se recusam a tocar”, reflete. A preocupação veio do trabalho anterior, o “Lusofonia”. Mesmo com influência da chula de Portugal, um ritmo tão próximo do chote, a recepção não foi tão boa quanto esperada.

Para lançar “Brasilatinidade”, Martinho da Vila se prepara agora para lançar o DVD do disco. “Fizemos várias imagens nos países que inspiraram as músicas, junto com os artistas convidados”, explica. Fora a apresentação em São Paulo, para a gravação do material, a primeira turnê foi marcada na Europa e ainda está sem datas para começar a rodar o Brasil.

Publicada originalmente no dia 06 de abril de 2005

 

Zezé di Camargo & Luciano

Banho de água fria quando eu só pensava no APR. Mas acho que foi uma das minhas provas de fogo lá dentro
Zezé di Camargo e Luciano representam hoje um pesadelo da música que todo artista adoraria estar vivendo. Com tiragem média de 20 milhões de discos vendidos, a dupla sertaneja chegou num ponto onde liberdade de criação é uma burocracia desnecessária. Seu novo disco chega num formato totalmente padronizado de harmonias, melodias, timbres de voz e até imagem da capa. Um momento raro na indústria fonográfica onde “mais do mesmo” vira sinônimo de sucesso absoluto.

Graças a sucessos que fizeram da dupla parte do imaginário da cultura popular, eles estão bem longe da pressão de inovar para sobreviver e conseguir se manter nas rádios. Isso faz de “Zezé di Camargo & Luciano” um disco bem básico, onde os fãs não vão se surpreender, nem se decepcionar. Para quem achar que a fórmula está errada, eles abrem o CD com uma poesia de Zezé di Camargo, onde ele diz que quem o critica é porque não entende o Brasil.

Ao contrário do prelúdio, as 14 faixas seguintes seguem modestas. A escolhida para trabalho de divulgação, “Fui Eu”, já canta nas rádios a história de um homem abandonado porque não teve seu amor reconhecido. A dupla assina a autoria de duas músicas presente no disco, “Fica de uma vez” e a auto-referencial “Agora Agüenta Nóis”, onde eles cantam que o sertanejo é a cara do Brasil.

O romantismo das letras dá espaço para faixa 11, “Vai dar tudo certo”, letra de Valdeci da Silva Aguiar que fala de religião e, como sugere o titulo, esperança em Deus. A presença cristã é só mais uma prova do poder que a dupla tem de se impor. Qualquer outro artista brasileiro que mostrasse opções políticas e religiosas de maneira tão aberta como Zezé di Camargo & Luciano tem feito - com exceção talvez de Roberto Carlos - seria motivo de polêmica. Mas, como tudo que os sertanejos tocam viram ouro, o mote é apenas motivo de sucesso.

Publicada originalmente no dia 06 de abril de 2005

 

Entrevista: Legendary Tiger Man

O homem tigre do blues

O Legendary Tiger Man, atração internacional no domingo do Abril pro Rock deste ano, é um ótimo exemplo de como a cultura globalizada só chega no Brasil se for empurrada pela onda do ‘mainstream’ (resumida geralmente na MTV). Apesar de independente, a banda de um homem só já percorreu todos os principais palcos da Europa e Estados Unidos desde o lançamento do primeiro CD em 2002. Só agora, três anos depois, chega a nosso País para enfrentar um novo público não apenas no sentido geográfico, mas também no próprio estilo de música.

“Já tive bastantes concertos em grandes festivais , entre bandas diversas e, em geral, os resultados foram muito bons”, comenta o português Paulo Furtado, dono do alter-ego do lendário homem tigre, que confessa não estar nada intimidado com a nova experiência. Ele dá a receita para o público e diz que “basta manter-se aberto e receptivo”. Ele mesmo, que ainda não tem referência da música de Pernambuco, vai dar o exemplo, “espero vir carregado de música nova quando voltar daí”.

Furtado apresenta o blues para o Abril pro Rock, novidade que vai causar impacto em quem chegar no evento procurando novidades dançantes. A principal curiosidade nas apresentações dele, infelizmente, não vai acontecer aqui. Nos shows, ele literalmente ilustra as músicas em vídeos que produz em Super 8. O trabalho é parecido com o que é feito aqui pelos grupos Mídia Sana e Yellow, que poderiam encontrar, nessa presença internacional, um porta aberta para finalmente embarcarem nas próximas edições do principal festival da cidade.

Para quem quiser saber onde vai estar pisando, o Legendary Tiger Man disponibiliza todas as músicas do primeiro disco no seu site pessoal. A promessa para quem for conferir é de 50 minutos de música intensa, rude e crua.

Publicada originalmente no dia 04 de abril de 2005

 

Som do espaço no Abril pro Rock

Nem só de rock pesado vive o sábado do Abril pro Rock. Uma das escalações que com certeza deve agradar o público na edição de 2005 são os baianos do Retrofoguetes. Eles chegam com um CD lançado pelo selo Mostro Discos e tocam uma mistura de surf music com temas de antigas séries de Ficção Cientifica, tudo instrumental.

As músicas lembram bastante o Man or Astroman, uma banda americana que tocou no Recife no show de dez anos do Devotos do Ódio. Não por acaso, eles são uma das poucas influências sonoras declaradas do grupo, que tiram inspiração dos livros de Isaac Asimov (autor de “Eu, Robô”) e das séries “Flash Gordon” e “Galaxy Rangers”.

O disco de estréia deles é bem extenso. Chega com 19 músicas, todas com nomes que fazem referências a ficção científica. Além da forte valorização do baixo, sempre mais alto que todos os outros instrumentos e que dão o tom de surf music, o Retrofoguetes usa e abusa de sintetizadores para deixar o som mais “espacial”.

Pela primeira vez, uma banda totalmente destoante da escalação do dia no festival não corre o risco de servir apenas de folga para o público respirar, como geralmente acontece todos os anos. O Retrofoguetes cai fácil no gosto de quem for conferir o Dead Fish e não vai incomodar em nada os fãs mais radicais do Sepultura.

Publicada originalmente no dia 28 de março de 2005

 

Dez anos de brega no Recife

Essa foi importante. Descobrimos o dia do primeiro show de brega no Recife!
Quem ligar a TV ao meio-dia, horário da programação local do Recife, não vai ter dúvidas. O brega está em todo o lugar. Os mais puristas podem até não aceitar, mas o ritmo já é a marca da música popular da cidade. Uma cultura que se espalhou com tanta rapidez que pouca gente consegue traçar quando foi que tudo começou. A reportagem da Folha de Pernambuco descobriu. No dia 11 de março, o brega completou dez anos de vida.

Foi no bar Fina Flor de Peixinhos, com data estratégica para atrair quem tinha acabado de receber o salário. No palco, a primeira festa “Noite do Brega” abria com um DJ que tocava sucessos da época, preparando para a principal atração da noite, a banda Labaredas. No público, o sucesso já anunciado, quatro mil pagantes, fora convidados. “Na época, não tinha nenhuma banda por aqui que fizesse o que fazíamos. Ninguém queria assumir o rótulo de brega. Por isso tocamos sozinhos até às 5h da manhã”, lembra Mitó, vocalista do grupo.

Esses dois elementos principais já tinham seu espaço certo na cidade. O Fina Flor organizava a festa “show em dose dupla”, com duas bandas por noite. O Labaredas estava na estrada desde 83, tocando em cabarés e bares da cidade. “No ano seguinte, fizemos uma festa para gravar o primeiro disco do Labaredas no clube Bela Vista e às 18h tivemos que fechar as portas, porque não cabia mais gente no lugar”, comenta Eurico, que ajuda na produção até hoje.

E o público não parou de crescer. Os festivais de brega chegaram a reunir 70 mil pessoas, com shows de Reginaldo Rossi e convidados. Nesse mesmo dia, representantes da Sony levaram os artistas locais, incluindo o Labaredas, para o patamar das grandes gravadoras.

VINCULADA - O Swing que veio do Pará
Não muito longe do Recife, em Belém do Pará, o brega já tinha uma história antiga e bem mais controversa. “Os bregas eram os nomes que davam aos cabarés de mais baixo nível por lá”, explica Joelma, vocalista da banda Calypso, que reforça ainda que “por isso, ninguém que fazia música jamais quis alguma associação com esse nome”. Na cidade, um outro ritmo tão romântico quanto o do Labaredas, porém mais dançante, ganhava o gosto do público nas casas de show.

Em 2000, a banda Calypso trazia para o Recife esse ritmo estampado no nome do grupo. “Nossa inspiração maior era a música do sul do Caribe, que ficou popular na voz do cantor americano Roy Orbison”, comenta Joelma. Se a associação com o brega fechava portas no Pará, por aqui fez com que a banda tivesse público certo e casa lotada já no primeiro show.

O diferencial do Calypso foi a força que a banda teve em romper barreiras sociais no Recife. Eles repetiram o sucesso de público que tinham na Exposição de Animais quando tocaram para uma platéia de classe média alta no Classic Hall.A banda abriu espaço para toda a cena de Belém do Pará embarcar no Recife, fazendo uma mistura de ritmos que deu origem a atual cena.

VINCULADA - Controvérsias do novo brega do Recife
Curiosamente, as bandas que começaram o Brega no Recife não querem mais ser associadas ao ritmo. Os motivos variam tanto, que fica difícil identificar porque existe toda essa controvérsia. Em geral, o discurso é divido em duas vertentes. Uma, das bandas do Pará, que preferem dizer que tocam uma evolução do Calypso, com novas influências de outro ritmo caribenho, o Zouk. O segundo, defende uma visão mais radical, que até se admite brega, desde que as novas bandas sejam classificadas em outro ritmo.

Uma das bandas que mais atrai público hoje na cidade, o Swing do Pará, prefere deixar a polêmica de lado. “Não nos preocupamos em sermos chamados de brega”, comenta a vocalista Scheila, que reuniu um público de 10 mil pessoas no show de aniversário, banda pode ser considerada hoje o carro chefe da nova cena brega no Recife, que está sendo chamada de tecno brega. Mesmo assim, Scheila explica que o que é tocado aqui ainda está longe do tecno brega do Pará, “o ritmo é muito mais rápido, as danças já estão bem diferentes. Mesmo assim, Recife já é a segunda capital do Brega no país”.

O brega nasceu e sobrevive dessa constante mistura de ritmos, sempre se reinventando e enfrentando a polêmica de ser aceito. A postura que o Swing do Pará adota hoje foi a mesma que o Labaredas fez quando ninguém na cidade queria assumir o novo ritmo. Com isso, o brega completa 10 anos de idade ainda com cara de novidade, com força para render muitas outras dezenas de anos.

Publicadas originalmente no dia 23 de março de 2005

 

Guitarra goiana no Abril pro Rock

Desnecessário dizer que toda grande presença no Abril pro Rock é uma estratégia para atrair o público que mais consome no devido ano. Na edição de 2005, no entanto, uma banda vai funcionar de maneira inversa. A presença do MQN na programação do sábado é essencial para quem quer ser consumido. Os Goianos chegam para divulgar o novo disco, “Bad Ass Rock & Roll” e são representantes do selo que mais vende música independente no país, a Monstro Discos que também organiza o Festival Goiana Noise.

O nome do disco não deixa esconder. As 10 faixas que ele traz são todas de rock & roll no sentido mais clássico, com guitarras altas e vocal gritado. Nada fica de fora e as músicas completam essa sensação com nomes tipo “Come into this place called hell” (venha para esse lugar chamado inferno) e “My baby sold her heart to the devil” (minha garota vendeu a alma para o diabo). Nenhuma novidade até aqui, mas é exatamente essa falta de pretensão que chama atenção, junto com a boa qualidade nas gravações.

“Bad Ass...” encerra mais como um registro e não como boa referência para o MQN. A banda ganhou destaque mesmo com a energia e presença de palco nas apresentações ao vivo. Na noite do Abril pro Rock eles ainda devem mostrar alguma coisa do seu disco anterior, “Hellburst”, considerado uns dos melhores lançamentos independentes de 2002. As bandas daqui que forem conferir, não esqueçam de levar uma demo para deixar no estande da Monstro que eles vão montar no festival.

Publicada originalmente no dia 21 de março

 

Entrevista: Massacration

Eles se uniram para trazer de volta à vida o mais puro heavy metal clássico, e estão conseguindo. Nem lançaram um disco, mas depois de excursionar com o Sepultura, conseguiram fechar shows em todos os principais festivais do Brasil. O único problema é que, até alguns meses atrás eles nem eram uma banda de verdade. O Massacration - sátira que o grupo Hermes e Renato, da MTV, faz ao metal - estréia o especial da Folha de Pernambuco para você ficar por dentro de tudo que vai rolar no Abril pro Rock.

Atrações internacionais à parte, o grupo tem sido responsável pelas maiores comoções em fóruns na Internet, como o Orkut. Tem gente que está adorando e tem quem diga que a brincadeira só vai tirar o espaço para as bandas de verdade. “Não acho que ninguém rouba espaço de ninguém. Quem tem talento consegue aparecer. Para mim, isso é desculpa de quem não tem”, se defende Fausto Jasmim, o Hermes do programa. Ele explica que “na verdade, a gente sempre gostou de tocar. O Massacration e nossas outras bandas são apenas uma maneira que encontramos de fazer isso em nosso programa”.

Ele não revela quanto o grupo está ganhando por show, mas não esconde que a fórmula está dando certo. “Entramos em estúdio ainda esse ano para lançar o primeiro CD do Massacration. Não vamos fazer só música, mas sim reunir nossas brincadeiras e um pouco de teatro na história”, adianta. Até lá, o grupo segue nos shows com apenas cinco músicas que se misturam com brincadeiras no palco. A apresentação no APR deve durar 40 minutos.

Nesta mesma noite, vários fãs do Shaman vão estar presentes no pavilhão do Centro de Convenções. A banda é exemplo sério das brincadeiras feitas pelo Massacration. Mesmo assim, Fausto se revela tranqüilo. “As pessoas entendem o que a gente faz. É uma sátira com o universo inteiro do metal, não só uma banda”. Para não correr o risco, o grupo estreou ontem na MTV um espaço até então inédito na emissora: um programa apenas com clipes de todos os estilos de Heavy Metal. O apresentador garante “quem for fã de metal, vai curtir”.

VINCULADA - Amantes do metal indignados
A atração inédita do sábado do Abril pro Rock é, também, a mais controversa de todo o festival. Os fãs de metal já ganharam a desmerecida fama de serem radicais na opinião, mas o argumento usado agora é bastante lúcido: O Massacration sequer é uma banda. O estudante de direito Emanuel Júnior, de 21 anos, é um dos headbangers indignados pela presença dos comediantes. “Não é porque eles estão tirando onda do metal, mas sim pelo fato que nem os integrantes levam a sério esse trabalho como música. A produção do evento poderia ter dado o espaço para alguma banda que realmente quer divulgar seu trabalho”, comenta.

Paulo André, a frente da escolhas para o Abril pro Rock, se justifica dizendo que “podia ser pior, podia ser o Coração Melão”, em referência a banda de Axé que o grupo Hermes & Renato também satirizou, “melhor que seja a de rock!”, conclui. Emanuel, que vai pagar R$ 20,00 para poder assistir aos shows, discorda. “Este ano vou só pelo Sepultura. Existem muitas bandas independentes de São Paulo e Minas Gerais que eu gostaria de ver, mas que não vão tocar porque o espaço foi dado ao Massacration”.

Publicadas originalmente no dia 16 de março de 2005

 

Spider volta com mais do mesmo

Minha primeira crítica de um disco local. Não gostei muito do que escrevi. Nem Spider, pelo que soube depois.
O Abril pro Rock sempre teve histórico como pontapé para as bandas que querem se lançar de forma independente. Era de estranhar que logo o Spider & Incógnita Rap, uma das atrações locais que mais chamou atenção na edição de 1999 do festival, tenha sumido da cena desde então.

A sumida, na verdade, foi estratégica: enquanto todos estavam com pressa para lançar algum material, o grupo resolveu esperar um financiamento que ajudasse o primeiro disco sair com a merecida qualidade. Mesmo que isso significasse esperar seis anos.

O novo CD, homônimo, vai ser lançado hoje com um pequeno show na loja Passa Discos. Nunca a expressão “deu uma parada para gravar” fez tanto sentido numa disco local como agora.

Depois de ouvir as 11 faixas, a impressão que fica é que o Spider literalmente parou no tempo, com uma mensagem para quem não acredita na força do som de Pernambuco, na “química de Science”, coisa que não existe mais. Muitas das músicas são as mesmas da apresentação de 99.

O problema com esse tema ultrapassado é a maneira quase subalterna usada para entrar na música, com frases como “não nos critique, nos escute e nos ajude”, que rendeu muita crítica a Chico Science até hoje. O discurso velho é salvo pelo reforço no trabalho dos arranjos - o que não chega a compensar tanto, quando o assunto é Rap. Eles ajudam a chamar atenção nas músicas “Olho e Vejo” e também em “Incógnita Rap”, onde Spider faz um protesto mais aberto e, por isso, mais atemporal.

Apesar de não estarmos mais na época onde a simples existência de uma gravação local com qualidade ser algo louvável, o resultado final do trabalho da banda é bem positivo.

Eles conseguiram preservar um momento que está cada vez mais perdido, o da música de Pernambuco que tem cara definitivamente de Pernambuco.

Publicado originalmente no dia 09 de março de 2005

 

As divas que cantaram o Brasil

Foi minha primeira matéria publicada na Folha. Não está entre minhas favoritas, mas é histórica :)
Pode ler quantos livros de história quiser, você nunca vai conseguir sentir como foi a ditadura militar até escutar os discos de Elza Soares. O Brasil não é o país das cantoras apenas pelo grande número de artistas que nascem e ganham destaque todos os dias, mas porque elas sempre tiveram um papel fundamental na nossa memória coletiva. Elas cantaram a história do nosso país e, especialmente para o dia da Mulher, a Folha de Pernambuco relembra nossas divas que brilharam aqui e lá fora.

Tem quem estranhe e até ache ruim a fama exótica que o carnaval recebe pelos turistas. Mas não fazem idéia de como a imagem do Brasil era muito mais pobre até que Carmen Miranda deixasse o medo de lado e, em 1939, subisse no navio Uruguai com destino aos Estados Unidos. Por lá, o som tupiniquim ainda tinha a cara de Pixinguinha e os Batutas. Tocava com modéstia nos centros de alta cultura, até que de repente Carmen vira um estouro na Broadway. Com uma cesta enorme de frutas na cabeça, cores gritantes, cantando aos quatro cantos que era carnaval.

Nossa primeira diva não poupou brilho e virou logo um ícone internacional. No cinema, um dos seus últimos filmes traduzia a nova imagem do Brasil. Em uma cena super surreal de “Romance Carioca”, a mocinha apressa a mãe dizendo “vamos, que o carnaval começa daqui a pouco” e, não bastasse a festa ter hora marcada para chegar nas ruas, da sacada elas se divertem vendo bonecos de elefantes no lugar dos carros alegóricos. As músicas “Mamãe Eu Quero”, O que é que a Baiana Tem?” e Chic Chica Bom” podem não ser obras trabalhadas, mas foram os primeiros hits femininos do País. Depois dela, a adoração feminina passou a ir muito além da voz no rádio.

Com o estouro cultural que foi na época - principalmente os festivais da MPB e o surgimento da Bossa Nova - as divas vieram de monte. Elza Soares, Elis Regina e Nara Leão ditaram absolutamente tudo na época de maneira bem natural. Bastaram aparecer na televisão para que o Brasil soubesse o que vestir e dizer. Cada uma foi reflexo das várias situações da mulher brasileira na época. Elza, filha de lavadeira e operário, foi mãe aos 12 anos e viúva aos 18. Dois anos mais tarde fez a estréia nos palcos, com a mesma idade que Elis Regina ganhou o festival Fino da Bossa.

O choque entre as duas mostrava bem a situação entre a classe média e baixa da época. Elis vinha de situação melhor e conseguiu muito mais estratégia para sua entrada na música. Foi a primeira artista brasileira a registrar a voz como instrumento na Ordem dos Músicos e anunciou no palco a estréia de ninguém menos que Chico Buarque. Elas abriram o tapete vermelho para as divas do país e, ainda hoje, são parâmetro em qualidade de música, comportamento e fama.

O Recife não ficou de fora dessa época. Por aqui, os programas de auditório nas rádios também lançaram nossas primeiras cantoras. Nomes como o de Nádia Maria foram responsáveis por lotar os estúdios de pessoas que faziam de tudo para ficar um pouco mais perto da diva que, ainda hoje, tem passagem pelos palcos da cidade.

Publicado originalmente no dia 07 de março de 2005

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